– Tá tinindo! … Grita alguém lá da esquina da rua.
– Vamos nos esconder, que lá vem os home de novo …
À noite (após as dez), era praticamente proibido sair às ruas. O terror da cavalaria montada caía impiedosamente sobre a cidade. Fazer hora em porta de boteco, nem pensar … na zona, pior ainda. A repreensão comia solta.
– Temos que manter a ordem, dizia um policial. Ipatinga está infestada de bandidos e vagabundos. Vida de peão é trabalhar e depois dormir para aguentar o batente do dia seguinte. Nada de ficar na rua …
A Zona do juá era um dos locais de maior movimentação à noite. Dava sete horas era aquele chega-chega de gente, como se estivessem vindo para uma festa. A rapaziada fazia até “fila” na porta dos prostíbulos, na espera de satisfazer suas necessidades sexuais. Cada dia chegava mais mulheres dos mais diferentes lugares: Espírito Santo, Belo Horizonte, Caratinga… “Aqui ganhava muito dinheiro”. Preço não era o caso, não havia reclamações a esse respeito por parte dos homens. O movimento era fervoroso. Lá pelas tantas, gritava alguém:
– Tá tiniiinnnndo!… Pronto. A correria era total. Se está no quarto com mulher, por lá continua. Do contrário, procura se esconder em qualquer lugar. Mas nem todos conseguiam esconderijo. Aí o pau comia. Naquele momento só se ouvia o tropel dos cavalos que desciam desordenadamente a ladeira do juá. Os soldados saltavam apressados. As esporas presas sob as grandes botas produziam agudos tinidos por todos os lados. Com ira de cães raivosos começavam a sessão de espancamento. Os que encontrassem pela frente eram atingidos violentamente por golpes de cacetetes até fazer ir de encontro com os demais encostados no canto da parede da boate, com as mãos para cima.
– Você aí: documento! Só identidade não serve: documento aqui só a carteira assinada ou contracheque de pagamento.
– Não trouxe a carteira de trabalho. Deixe-a no alojamento pois faz muito volume no bolso.
– Não tenho carteira assinada; estou esperando sair uma vaga, dizia outro.
– Não é verdade! Leve-o preso soldado, bradava o cabo. Vocês que têm carteira, passem pro lado de cá e podem ir embora e rápido; não apareçam mais na minha frente porque prendo e arrebento. Os outros vão ouvir um conselho da gente agora mesmo.
Na cadeia:
– De onde você é?
– De Vitória.
– E você?
– De Valadares.
– E você aí?
– De Coronel Fabriciano.
– E esse macaco arruaceiro aqui?
– De Contagem, seu cabo…
– Qual a profissão?
– Servente.
– Não quero saber de mais nada. Reúnam todos e deem um banho neles…
O pau comia no interior da rústica cadeia. Gritos, urros e mugidos eram ouvidos à longa distância pelos vizinhos que acordavam com o barulho dos espancamentos. Os moradores dos arredores não ousavam sequer abrir uma janela para melhor apreciar o espetáculo. Até seus ouvidos, passando pelos frisos das janelas, chegavam, acompanhados de gritos, os tinidos das esporas dos ruidosos soldados que escorraçavam os pobres homens. No final da sessão de pancadarias, a ordem da polícia era para que esses “arruaceiros” desaparecessem da região.
Isto repetia-se com a maior naturalidade e a qualquer dia, na cidade que tomava porte e mais crescia no interior mineiro. A “ordem” tinha que ser mantida a qualquer custo. Qualquer movimento diferente poderia se tornar um risco para a tranquilidade da empresa. Por isto a “ordem” tinha que ser mantida por rudes e mal-educados soldados, que tinham como autoridade a violência e fama de “brabo”, como diziam os trabalhadores.
O adágio “tá tinindo” se espalhou rapidamente pelo país inteiro, só que com característica diferente: “tá tinindo” em outras cidades era a pronúncia de que “tá tudo joia”, “tá tudo bem…”
Mesmo depois da retirada da cavalaria da cidade, se alguém gritasse à noite, na rua, “tá tinindo”, muitas pessoas ainda se amedrontavam, devido à imagem deformada deixada pelos soldados da cavalaria montada e suas esporas barulhentas.