Tudo estava preparado para o início da chacina. De cima do caminhão, os soldados aguardavam a ordem de seus superiores, que acompanhavam as negociações entre a comissão de trabalhadores e a chefia da empresa. Em frente aos policiais, a massa agitada de trabalhadores grevistas aguardava uma resposta dos patrões, resposta essa que não aparecida.
O fotógrafo amador José Isabel Nascimento, o único que conseguiu registrar algumas cenas do massacre, levou sua Kodak naquele dia e começou a fotografar diversos pontos da concentração. Ao chegar em um alojamento da Usiminas, registrou no interior deste a morte de um operário que fora massacrado no dia anterior pela tropa da cavalaria montada. No interior do barracão tudo estava revirado, camas quebradas e fora do lugar, manchas de sangue por todo lugar e o corpo sem vida da vítima estendido de bruços no chão. Portas e janelas quebradas era o que mais havia. A revolta era visível no semblante de cada um. Fora e nas proximidades todos se moviam impacientes, proferindo discursos relâmpagos, e improvisados, e protestavam contra os maus tratos exercidos pelos soldados da PM na noite do dia seis. Após as explicações e conversações, os operários se dirigiam para o local onde estavam concentradas a grande massa.
Os discursos, as palavras e gritos de protestos se confundiam ao mesmo tempo. Todos falavam, murmuravam e se dispunham a levar o movimento grevista até o final. Eram cerca de 10 mil homens. José Isabel não perdia tempo: registrava todos os lances. A princípio, ninguém imaginava que a polícia seria capaz de disparar sequer uma bala contra qualquer um daquelas pessoas que ali estavam a exigir os seus direitos; e nada, mas que seus direitos, pois a que eram subordinados não é admissível e conveniente para um ser humano.
Nem mesmo as palavras de confronto e propostas pela paz do Padre Avelino foram o bastante para conter o ânimo desumano dos soldados armados. José deixa a multidão e aproxima-se do caminhão, no mesmo instante em que começaram os estampidos ensurdecedores e as rajadas de metralhadoras. O primeiro filme havia acabado; tirou-o da máquina e colocou outro. Aproximou-se mais de perto. O soldado que portava a metralhadora de tripé acariciava a arma e sorria para os trabalhadores, enquanto os outros efetuavam disparos a esmo. O fotógrafo focalizou a tripé, acionou o dispositivo da câmera e gravou a imagem da mesma, sendo domada pelo soldado, na primeira foto do segundo filme. No mesmo instante, esta arma potente entra em ação. Uma bala de fuzil, disparada por outro policial, do outro lado da carroceria do caminhão, atinge José Nascimento, alvo direto da pontaria do fuzileiro.
O corpo atingido do jovem fotógrafo, sobe, desloca-se no ar. Os estrondos dos disparos continuam e mais outros corpos vão se deslocando, caindo; gritos e gemidos vão aumentando. Os operários que estavam estendidos no chão, tentando se proteger das balas, viam o corpo de José ainda no ar, subindo, se deslocando. Os pés retesados, as pontas dirigidas para o cão. Uma rajada, um tiro pesado, ensurdecedor, um corpo que se deslocou, cortando ar, buscando teto.
– Filhos da puta, preguiçosos, vão ter que trabalhar na marra seus porras…
– Ouvia-se gritar de cima do caminhão.
A marmita, contendo comida para o almoço, estava com José e a Kodak na mão direita, acompanhavam naquele momento os movimentos do corpo que vem descendo, batendo com força no chão, se derramando. O tiroteio continua. O corpo caído se despencando.
No chão, quase sem nenhuma força, ele levanta a cabeça, fita a metralhadora e cospe balas sem parar, contempla o soldado que o atinge e quem continua disparando contra a multidão, balbucia:
– Está tudo acabado…
Ele foi internado no Hospital Santa Terezinha e morreu 10 dias depois.