O jornal Em Tempo, nº 04 (14/20 de agosto de 1978), traz um depoimento de um ex-soldado, expulso da PM por ter participado da chacina de 1963, no qual o mesmo revela vários detalhes importantes do ocorrido, como é que os soldados fizeram “aquela violência” brava em atirar em operários. Na entrevista prestada ao jornalista João Batista Mares Guia, o ex-policial pede para que seu nome não seja revelado pare evitar “complicações futuras” e ao mesmo temo diz que os soldados não sabiam se o que estava acontecendo naquele dia era greve ou revolução. Acrescenta também que na madrugada do dia 7 tomaram cachaça com pólvora “para dar valentia e brabeza”. Eis o relato:
“Meu nome não falo porque eles buscam a gente. Fiz aquilo tudo mandado. Aquela revolução dos operários da Usiminas foi uma noite e continuou pelo dia seguinte até que se cercaram a gente e nós ficamos no alto de um morro, passando dois dias de fome. Na tal noite (6 de outubro), lá no quartel da cavalaria montada de Coronel Fabriciano (?) nós soldados ficamos sabendo que os operários queriam quebrar a Usiminas toda. Fomos lá para Ipatinga, que ainda não era cidade. Era uma espécie de treino de guerra. Rodeamos um morro até ficar por trás dos alojamentos dos operários, no acampamento Santa Mônica. O acampamento ficava numa bacia, e nós cá de cima. Até trincheira o tenente Jurandir Gomes mandou os soldados cavarem. Só sei dizer que tiro nessa noite soldado não deu não. Mas o tenente Pedro Gomes passou uma notícia por rádio para o tenente Jurandir, que estava no alto do morro. Aí, de lá onde estava o tenente Jurandir, foi jogada uma “LURDINHA”, uma granada de mão, daquelas de arrancar o pino com a boca e atirar. Ela explodiu dentro do acampamento, arrebentou a porta e janela. Muito estrago. Mas ninguém matou ninguém.”
“Madrugada afora os soldados receberam cachaça com pólvora. Foi um cabo que andou distribuindo. Não sei mais o nome dele. Isso dá uma violência brava na gente. Cachaça com pólvora deixa a gente com uma valentia e braveza… Sei que era pólvora pelo cheiro. Soldado bebeu. E mandado não tinha jeito. Ninguém também entendia nada do que estava acontecendo, então não fazia diferença. Sei que quando foi de manhã, lá na porta do escritório central da Usiminas tinha muito operário reunido. Era uma revolução, greve, essas coisas. Chegamos lá num caminhão, carregando uma metralhadora de tripé. Soldado tinha era revólver 45 e fuzil. O tenente Jurandir era o único que tinha granada, parece que duas. A gente é que carregava o caminhão e sabia tudo que tinha. Naquele tempo não tinha essas bombas de gás. Hoje em dia isso não vale nada. Antes era briga de morte. Lá naquela revolução dos operários da Usiminas, o que sei dizer, porque depois soldado comentou com soldado e foi muito comentado que o Gil Guatimozin e que mandou jogar a granada e abrir fogo em cima dos operários. Não posso garantir. Sei também que depois dos tiros vi mais de 30 operários mortos, e o Gil Guatimozin teve que ticar escondido e depois escapou-se pelos matos porque os operários queriam acabar com ele. Na hora de começar o tiroteio eu sabia que o meu cunhado estava lá no meio daquela greve. A coisa toda começou quando o tenente Jurandir, de cima de caminhão, de ordem de fogo. De cima do caminhão atiraram a granada. A granada caiu perto de uma mulher grávida. Explodiu e partiu a mulher da barriga para cima. Furou ela, não separou não. Morreu na hora. Aí nós atiramos com fuzil e revólver 45. Os operários não deram tiros, mas atiraram muitas pedras. Teve soldado machucado. Não sei mais quanto tempo durou aquilo tudo. Mas não foi pouco tempo não. Foi bastante tempo.”
“Acabou aquilo tudo, então nós fugimos no caminhão. Daí é que veio o cerco: não entrava comida. Dois dias lá em cima do morro. Até que chegou o reforço. Lá em cima o tenente Jurandir não falou nada com os soldados.”
“Depois, nós fomos presos lá para o quartel do 6º Batalhão de Caçadores Mineiros, de Governador Valadares, no bairro São Raimundo. Era um quartel novo. Os saldos ficaram presos de um lado e os oficiais do outro. Nisso, um fia lá chegou uma tropa do Exército e levou todo mundo preso para um quartel do Exército lá de Vitória, Espírito Santo. Ficamos presos. Ninguém nunca conversou conosco. Não tivemos processo, inquérito, nada disso. Todos os soldados foram expulsos. Aquilo foi um embrulho danado. Os oficiais não foram expulsos. Arrumaram um jeito com eles. Teve um soldado que quis entrar na justiça para reclamar não sei que coisa. Depois disso nunca mais um ficou sabendo do outro. Cada um anda por aí, por esse mundo afora. Eu fui trabalhar na construção civil. Os outros nem tenho notícias.”